O artista e o tronco

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O artista e o tronco

O tronco andava meio triste.
Não sabia ao certo para que existia.
Ninguém olhava para ele.
Não se sentia útil.
Não se conformava com o destino natural de todos seus irmãos, pais e mães: a fornalha.

O artista por sua vez, andava feliz.
Cheio de amor para doar.
E com a necessidade de fazê-lo,
pois amor mesmo, só presta quando colocado para fora.

O tronco com sua tristeza e o artista com sua agonia, encontram-se em um dia ensolarado.
A alma dos dois brilham.

O artista, com suas mãos ásperas, pega o tronco com firmeza e carrega para sua casa.
O tronco já começa a sentir medo. A alegria inicial parece se transformar em pavor. Viu muitos iguais a ele serem queimados. Sem, dúvida seria aquele o dia dele.

O artista coloca o tronco em sua mesa de trabalho.
Ao ver os aparelhos dispostos o tronco treme de medo: seria torturado antes de ser colocado na fornalha. Estava apavorado, mas curioso. Ao menos não teria o mesmo fim sem graça de seus pares.

A cada laminada que sentia em seu corpo o tronco gritava. O artista parecia não escutá-lo. Muito pelo contrário, seus olhos brilhavam de prazer. Trocava a ferramenta, umas mais duras, outras mais mórbidas, tinha até um pincel. Esse fazia cócegas. Até era bom. Algumas vezes o tronco deu risada.
E isso durou meses.

O sofrimento inicial do tronco foi diminuindo, pois acabou se acostumando com o processo.

A alegria do artista também ajudou. O tronco sentia o amor com que o artista estava fazendo todo aquele trabalho. Ele, pobre pedaço de pau, na sua condição natural, não via o menor sentido naquilo, mas acabou gostando. Enquanto estava jogado na mata, ninguém o olhava. Ali, na casa do artista, embora sofrendo com as lascadas no corpo, tinha alguém que parecia se importar. E muito.

No momento em que o tronco já estava gostando da rotina, ela para. O artista pega um cobertor macio e embrulha-o todo. Fica tudo escuro. Bom, pensou o tronco, era o dia final: o da fornalha.

Depois do cobertor o tronco sentiu ser colocado dentro de algo móvel. Sentiu movimentos inconstantes, mas estava bem firme no lugar que o artista o havia deixado com muito cuidado. Sente o veículo parar e novamente as mãos firmes do artista em seu corpo protegido pelo cobertor. Onde será está fornalha?

Estava tudo escuro, mas o tronco pode ouvir o barulho da multidão. Após ser colocado em um lugar nobre e amplo, o seu companheiro tira o cobertor que escurecia até então os olhos do tronco.
Todos batem palmas. O tronco, meio envergonhado, vê que todos olhavam para ele. Uns choravam de emoção. Outros abriam suas bocas e deixavam o queixo cair. O artista estava ali ao seu lado, orgulhoso de sua obra.

Ele, antes um simples pedaço de pau, estava meio tímido, sentiu-se importante e gostou. Nada de mal ser o que é e receber admiração por isso. Os lírios dos campos também recebem (o tronco havia ouvido isso em um livro que o artista lia em voz alta de vez em quando nos intervalos do processo).

A multidão foi embora, as luzes se apagaram, o tronco repousou em si mesmo, reverenciou o sofrimento vivido naqueles meses, agora mais compreensível e aceitou seu novo nome: escultura.

E o artista, ainda mais cheio de amor, voltou para casa e começou a trabalhar outro pedaço de pau.
(Paulo Thomas Korte, São Paulo, 5 de fevereiro de 2020)

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Last modified: 06/02/2020

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