Improviso no domingo

Crônicas

Estou em casa, este final de semana, sem esposa e com os dois filhos maiores.
Acordo hoje no domingo, e sou acordado com um beijo do filho. Coisa rara.
Sussurra no ouvido: “Pai, já fizemos o café. Se você não acordar, vai esfriar.”
Os filhos, sem a mãe, e com o pai temporariamente de muleta, acabam se virando.
Desço e vejo a mesa posta. Fumaça de café na xícara, cheiro de pão torrado misturado com o perfume de um pão de queijo quentinho.
Suco de laranja espremido na hora. Com gelo, porque eles sabem que gosto assim.
Tomo um belo café feito pelos gêmeos.
Em uma boa casa de descendentes de italiano, no café da manhã, surge o tema mais importante: o almoço.
Conversa vai, conversa vem, as crianças escolheram ir almoçar no japonês no Shopping. Aquele que vem a carne (com o preço do quilo de diamante) em uma chapa, toda bonitinha.
Bom, somos só três. Decisão tomada, vamos ao Japonês. As crianças tiram a mesa e colocam na máquina de lavar. Hoje é domingo e não temos assistência de fora. (Essa coisa colonial do Brasil que ainda insistimos em manter por puro comodismo.)
Embora a decisão do almoço já tivesse sido tomada, segunda-feira tem prova, e os estudos começam apertar. Duas horas depois do café, os dois me dizem que ainda falta muito. Seria imprudente sair para almoçar fora. Carro, fila, espera, enfim, era melhor ficar em casa mesmo. Como uma boa casa “oriundi”, mudamos de idéia.
Fui ao congelador para ver o que tinha. Uma lasanha no papel alumínio. Excelente! Almoço garantido. Era só esquentar.
Puxo a lasanha para fora, e vejo que não é lasanha e sim uma travessa cheia de costela de porco já temperada.
Só a costela não dava. Olhei outras gavetas e vejo uma feijoada. Meus olhos brilharam. Costela, feijoada, era só fazer um arroz. E as crianças adoram o meu arroz. E eu também. Mas falar da própria comida é cabotinismo. Deixo que eles falem por mim. (Mas que eu gosto do meu arroz, isso eu realmente gosto. Seja isso cabotinismo, egoísmo, exibicionismo ou seja lá o que for.)
Olho na fruteira e tem algumas laranjas Bahia. Aquelas que vemos no supermercado com a placa “laranja Bahia importada”. Nunca entendi bem isto. Seria o mesmo que, na Noruega, encontrarmos um “Bacalhau norueguês importado”. Enfim, vai entender. O importante era que os ingredientes principais para a feijoada estavam lá.
Nonno chega na hora exata. Na hora de ajudar na cozinha. Aliás, ele é exímio chef! Ajuda muito bem vinda. Companhia adorável. Além disso, como de costume, trouxe uns docinhos para a sobremesa. Este Nonno deixa a concorrência doente. Um Nonno deste deixa qualquer família bilionária de afeto. E faz um bom par com a Nonna.
Voltando à cozinha, a costela no alumínio, tida por lasanha por alguns minutos, demora a assar. Não é por menos, estava congelada.
Tempo vai, tempo vem, a fome aperta.
Descasco três limões, espremo em um copo baixo, cheio de gelo, e faço uma chuva torrencial de vodca. Feijoada sem caipirinha é boa, mas “com”, é melhor.
Todos à mesa, agradecemos a Deus pela comida e nos deliciamos com o nosso almoço improvisado de domingo.
Melhor que feijoada, é feijoada requentada. Isso já foi dito pelos sábios cozinheiros do Brasil.
A lasanha, ou melhor, a costela que não assou ao tempo da fome, ficará para segunda. Hoje, ela não fez falta.
(Paulo Thomas Korte, 8 de setembro de 2019)

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Last modified: 18/09/2019

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